Seja qual for teoria particular na qual acreditemos, todos concordamos que as expectativas de outras pessoas e como elas irão se comportar foram inscritas no cérebro fora da consciência, no período da infância, e que elas sustentam o nosso comportamento nos relacionamentos ao longo da vida. Nós não estamos cientes das nossas próprias suposições, mas elas estão lá, com base nessas primeiras experiências. (Gerhardt, 2004, 24 p.)
Sentir é estar vulnerável. (Brene Brown, 2013)
No dia 1º de junho de 2019, estivemos juntos para mais um grupo de estudos (GEP) conduzido por Carlos e Júlia. Esses encontros, que acontecem no período entre os módulos intensivos, são espaços-tempos para revisitarmos mais de perto alguns dos temas que temos estudado/ vivenciado na formação Matrix-Hakomi.
Nos encontramos na acolhedora sala de trabalho de Júlia. O espaço estava especialmente preparado para nos receber e criar o ambiente de mergulho que os encontros requerem. Neste dia, revimos as três primeiras estruturas de caráter propostas por Ron Kurtz: Inundado-Retraído (Sensitivo-Retirado), Abandonado-Colapsado (Dependente-Cativante) e Alienado-Autossuficiente.
Um alerta inicial! Não se tratava de compreender as estruturas de caráter como rótulos para aprisionar as pessoas e restringi-las a uma leitura única! As estruturas são chaves de leitura que precisam nos servir como rotas possíveis de acesso as pessoas, possibilitando uma compreensão inicial sobre tendências… Pistas, rastros para facilitar o acesso às feridas das pessoas.
Somos seres únicos, complexos, compostos por experiências diversas que vão tecendo uma miríade de sentimentos, formas de ser, agir, lidar com a vida. Cada pessoa é única e capaz de muito mais do que respostas previsíveis. Ao terapeuta cabe então escuta profunda e atenta as particularidades de cada paciente.
Diagnósticos rígidos podem configurar-se em pretextos para formas violentas de relação, na contramão de uma atitude de suavidade e leveza que o Hakomi nos convida a manter.
O caráter não é a pessoa. Ele revela as estratégias, os processos relacionais, nossa forma própria de interagir.
Na sessão do Hakomi iremos buscar que o cliente tenha in-sights sobre como se organizou sua personalidade. Ele terá uma reclamação e nossa curiosidade será sobre como ele se tornou assim, o que é claro e o que não é claro para ele.
Enquanto clientes, buscamos sair das distorções e do modo defensivo de estar no mundo em direção a um modo mais aberto e sensível. Não se trata de abandonarmos nossas estratégias, afinal elas nos foram úteis em situações de estresse. O objetivo é, tornarmo-nos em alguma medida, mais conscientes delas e em condições de experimentar qualidades de reação e relação distintas, buscando uma maior abertura para o mundo e condições que nos tragam menos sofrimento e maiores possibilidades de usufruir a vida.
É possível, experimentando outros registros afetivos, criar outras trilhas neurais, outras experiências.
Em grupo, sentimos corporalmente todas as estratégias e fizemos alguns exercícios para investigarmos de que forma percebíamos essa estrutura de caráter em nós. Além de investigarmos as características de cada estrutura, pensamos também sobre as formas de lidar com ela: valorizar o vínculo, mostrar as qualidades da estratégia e seus recursos, ajudar o paciente a ter e sustentar sentimentos de alegria. Ajudar a conectar-se com o que está sentindo.
Nos sub-grupos e em duplas, percebemos com qual nos sentíamos mais identificados e acessamos como elas reverberaram em nós. Ainda que os temas nos tenham mobilizado – afinal estamos em contato com nossas vulnerabilidades e sentimentos mais remotos e constituidores do que somos- pudemos viver essas experiências num ambiente de real acolhimento.
Construímos a possibilidade de tocar nas delicadas ranhuras e contornos de nossas formas de lidar com o mundo e das feridas que nos doem. No acolhimento e leveza de um sábado de junho, pudemos vivenciar o que nos parece ser o centro da forma Hakomi de cuidar de si e do outro: delicadeza, apoio mútuo e sustentação. Assim seguimos. Assim aprendemos.
Algumas referências:
BROWN, B. A coragem de ser imperfeito. Editora Sextante: Rio de Janeiro, 2013.
BROWN, B.A. O poder da Vulnerabilidade. https://www.ted.com/talks/brene_brown_on_vulnerability?language=pt-br
REMEN, Rachel Naomi. No avião. In: REMEN, Rachel Naomi. Histórias que curam: Conversas sábias ao pé do fogão. 3. ed. Ágora, 1998.
Texto e edição: Adrianne Ogêda e Tulane Paixão
Contribuições de Júlia Andrade.